a filha do rei
Dizem que a filha do Rei já nasce princesa, mas eu nada sei. Só sei o que dizem e o que dizem é o que eu sei. Escutei por ai, pelo vento que sopra das fábulas, pelas vidas reais que sonham com a realeza e pela certeza de certas almas.
Já ouvi dizer que ela era do campo. Semeava nos olhos uma toda e qualquer timidez, do tipo que se semeia, quem flerta a primeira vez. Sempre a noite, antes de se deitar, olhava pro céu pela janela entreaberta do seu quarto de dormir e rezava sozinha uma espécie de encanto, desses que a gente pede um pedido que se espalha por toda parte. E ao acordar do seu sono sonhado; procurava pela janela, olhava embaixo da cama, abria o armário e sorria ao ver o espelho, que espelhava em sua jovem face, a esperança que nada mudara. A menina continuava ali, no mesmo lugar onde sempre estara.
E então ela pensava na vida como no sonho. Nas coisas que aconteciam, as que passavam, as que ficavam, as que esvaiam. Era um mundo cheio delas acontecendo a todo instante, e no tempo de ser menina, a gente já acorda princesa. Ela tinha certeza, ela tinha um espelho, ela tinha uma caixinha de música que brilhava em seus olhos um suave bailar de uma mais que uma amiga, uma bailarina. A certeza de ser menina; é mais que um dom, é uma sina.
Mas o tempo vem. A janela entreaberta não brilha mais o céu de estrelas que nos acoberta o sonho. Embaixo da cama o passado se esconde, dentro do armário o espelho empoeirado reflete apenas realidade, fato e certeza. A bailarina não baila mais, esta esquecida, solitária e adormecida. Aguardando lhe darem corda; se ao baile ou à forca não sabe bem pronde vai, sem uma menina ela não é ninguém. Apenas memória esquecida jogada no pranto de um canto que não baila mais.
Agora é um tanto faz. A vida é vivida, a noite é dormida e nos protegemos emascarados dos raios de sol que nos flertam o rosto, a face e o gosto. Afinal de que importa o gosto? O gosto do campo, o gosto do sol, o gosto da realeza em um mundo onde tudo é certeza?
Dizem que a filha do rei já nasce princesa, eu tenho certeza. Vi ontem a noite quando rezava pela janela. Vi embaixo da cama, vi dentro do armário, vi através do espelho. Vi na boca e nos olhos, na calma, no colo e na esperança.
Dei corda naquela criança, que baila agora em uma caixinha. E ela é bem mais que minha. Vi nos meus olhos cheios de timidez. Do tipo de olhos que flertam a primeira vez. Agora já sei que sou filha do Rei. E sabido de tudo isso. Nunca mais me esquecerei.
MCestari
2012
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juanjpage
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